sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Chamuças à mesa



Depois de mais um dia, em Agosto último, a saltar de emoção em emoção com a alma a chorar de alegria, tal era a felicidade de que se via acometida, cheguei ao Hotel quando a noite se impunha e o sol se punha. Mas já há algumas horas, que em vaivém permanente, a minha memória era atravessada por um pregão que tantas vezes o registou, em tempos que o passado fielmente guardou. De facto, o reencontro com alguns espaços da capital Moçambicana, fizeram-me crer que ouvia, proferido em voz alta “chamuçinha quentiiiiinha…”As chamuças, introduzidas em Moçambique pela numerosa população de origem goesa, era frequentemente vendida num cesto de vime com dois compartimentos, com uma asa central por onde o braço do vendedor a segurava. Eram, em regra, esses vendedores, pessoas de raça negra, que trajando uma farda de um branco imaculado, percorriam as ruas da cidade, num exercício vocal sempre exigente. De um lado da cesta saíam as chamuças com picante e do outro, para os mais comedidos em géneros alimentares, as chamuças sem picante, mas sempre muito condimentadas.
Ainda mal refeito da jornada do dia, mas com o desejo, estimulado pelas lembranças, de me defrontar com essas iguarias indianas, pus pés ao caminho e fui até ao bar do hotel, onde os meus anseios podiam ser saciados. As chamuças acabadas de cozinhar, estaladiças e com aquele sabor que tão bem as distingue, depressa conheceram a lei do mais forte.
Mas, como nem só da boca vive o homem, ainda fui contemplado com a actuação intimista de um duo de gente da terra, que soltava os ritmos musicais e a voz, com a autenticidade reconhecidamente africana.
Nos sofás que rodeavam outras mesas, tranquilamente, trocavam-se histórias, aqui e acolá interrompidas por um copo levado à boca, com esse néctar genuíno de cevada e lúpulo a que se apôs o rótulo de cerveja Laurentina.
Ninguém olhava para o relógio e tampouco dava sinais de evasão do momento. Era gente que sabiamente compreendia que cada espaço de tempo, por mais curto que fosse, só aconteceria uma vez. Aquela vez!
Que feitiço tem esta terra que faz com que cada momento de prazer seja levado paulatinamente até aos seus limites. Chega a parecer que nestas paragens de África os relógios só têm um ponteiro. O mais pequeno!
Por fim, e para encantar mais a noite, através da vidraça das portas que davam acesso à varanda do bar, descortinavam-se os contornos dessa bela obra que é a Sé Catedral, e que, do local onde me encontrava, tinha como fundo a Baía que banha a cidade.
Se há momentos em que gostaria de os congelar, para nunca os perder, este foi seguramente um deles.

Aurélio Terra

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