sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Teatro Gil Vicente


O dia amanheceu frio e com chuva, cheirando a Outono. Valpaços cidade transmontana onde nasci e habito, integrada na região da Terra Quente parece não fazer jus ao nome que ostenta. Os persistentes arrufos do vento vão fustigando as árvores, soltando as folhas coloridas numa espécie de bailado melancólico, espalhando-as pelo chão. Para amarfanhar a espertina da manhã cinzenta, nada melhor do que exercitar o pensamento e aproveitar a boleia do tempo até às terras quentes de Moçambique. Dou comigo a pensar como era agradável ir à matinée em dias de chuva e fixo o olhar no belo Teatro Gil Vicente. Quem lá esteve, se bem se lembra situava-se na Av. D. Luíz I (hoje Samora Machel) mesmo defronte do Jardim Botânico Vasco da Gama (hoje Jardim Tunduru) e paredes meias com o Prédio Lusitânia. Totalmente recuperado dos escombros, após um incêndio que o destruiu na década 30, o edifício encerrava dentro de si a magia e a arte dos espetáculos. Pelo seu palco, passaram orquestras sinfónicas, companhias de teatro, artistas conceituados, revista à portuguesa e grandes películas cinematográficas. Recordo com saudade os filmes que por lá se estrearam classificados para maiores de 12 anos, criavam a ideia do estatuto de pequenos adultos e eram o regalo dos nossos sentidos, desafiando a irreverência e fantasia do público mais jovem. Finda a(s) matinée(s) os que não tinham os seus progenitores à espera no carrinho, aproveitavam para uma pequena volta até ao parque botânico e no virar da esquina os últimos trocos na algibeira ainda chegavam para ir ao Salão da Cooperativa dos Criadores de Gado, beber um chocoleite delicioso  e para uma nata recheada. O regresso a casa do pequeno grupo do meu bairro, fazia-se antes do anoitecer (pudera) apanhando o machimbombo na paragem junto à Casa da Sorte no cruzamento da Av. da República (hoje 25 de Setembro) com a Av. Manuel de Arriaga (hoje Karl Marx). A linha 13 e 15 dos S.M.V com destino ao Aeroporto de Mavalane, levávamo-nos ao Bairro da Munhuana. Depois era a hora do recolher obrigatório. Assim se sentiam felizes os adolescentes do meu tempo, que deram rosto a uma geração que já vai longa mas capaz de olhar para o passado com orgulho da época que viveu.

Manuel Terra

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

A beleza da Polana


Por muito que o tempo tente desgastar a saudade, a persistência da sensibilidade “conduz-me” até lá outra vez para não deixar esmorecer as emoções e paixões que não consigo esquecer. O fascínio das evocações traz-me a lembrança da magnificente beleza da Polana. Poderá dizer-se que começava no eixo da Av. 24 de Julho com a Av. António Enes(hoje Julius Nyerere) até ao sumtuoso Bairro de Sommerschield. Uma artéria caraterizada por duas longas faixas de rodagem, pinceladas pela tonalidade rubra das acácias e jacarandás, que permitiam aos transeuntes caminhar protegidos do sol inclemente. Era a chamada parte alta da cidade  onde os edifícios de altura considerável, predominavam. No cruzamento com Av. Massano de Amorim (hoje Mao Tse Tung) muito próximo da paragem do machimbombo municipal da carreira 5, situava-se o Hotel Polana uma das melhores unidades hoteleiras de África Austral, inaugurado em 1922 de invejável traça colonial, com um parque de estacionamento embelezado por um pequeno palmar e canteiros tratados a gosto. Um verdadeiro 5 estrelas conhecido sobejamente além fronteiras. Curiosamente ainda eram visíveis no asfalto daquela via os carris metálicos que serviram os elétricos, que a cidade conhecera até 1929, com paragem obrigatória frente ao hotel. Na retaguarda a partir das suas piscinas obtinha-se uma vista panorâmica que se estendia desde o Miradouro, Rampa do Caracol e a antiga Rua Trigo de Morais que ligava a Estrada da Marginal às praias arenosas e esbranquiçadas compreendidas entre o Restaurante o Dragão de Ouro( hoje já demolido) que deu lugar ao Hotel Holiday e ao Miramar(totalmente transformado). Mas a área da Polana tinha mais referências, como o Restaurante Sheik(que ricos repastos) onde se podia jantar ao som de uma orquestra . As refeições tinham quase sempre marcação antecipada. Nas suas traseiras descortinava-se o Parque José Cabral (hoje Parque dos Continuadores) uma enorme área verde arborizada, onde nas suas pistas se realizavam as provas de Atletismo e por lá passaram nomes sonantes da modalidade. No final de linha avistava-se o Prédio Bucellato encravado no excêntrico Bairro de Sommerschield, um  luxuoso complexo de vivendas e mansões, que faziam o sonho dos seus moradores. Também não poderia deixar de destacar A Igreja de Santo António da Polana inserida numa superfície verdejante, vincada por um estilo de arquitetura moderna que ganhou o epitrope de espremedor de laranja, dada a sua configuração. O seu interior era iluminado durante o dia pelos efeitos especiais dos raios solares que extravasavam os vitrais coloridos do templo. Tive a felicidade de conhecer aquele belo espaço,onde as cerimónias religiosas contagiavam os fieis. São estas imagens ainda muito vivas, de uma cidade que não consigo esquecer, que me levam a constantes incursões ao passado numa espécie de desafio ao tempo e memórias.

Manuel Terra

sábado, 11 de setembro de 2010

O Campo do Ferroviário


Nesta intromissão persistente de evocar fatos passados, o presente por momentos torna-se submisso às recordações de outrora, que de uma forma funcional nos conduz a experiências vividas e partilhadas com todos aqueles que as puderam testemunhar. Chegou-me recentemente a informação da visível degradação das instalações desportivas do Clube Ferroviário de Moçambique (havia mais de 23 delegações na então província) que na capital se situavam no cruzamento da Av. da República (hoje 25 de Setembro) com a Av. Luciano Cordeiro (hoje Alberto Luthuli) onde funcionava a sede social da coletividade. Sem dúvida que se tratava do maior clube eclético de Moçambique. Na retaguarda podia-se observar a sua piscina e um excelente ringue ao ar livre referenciado para a prática do hóquei em patins e basquetebol. Recordo com alguma emoção aquelas tardes cálidas de muitos sábados à tarde, onde se disputava o Campeonato distrital de Juvenis e Juniores da bola ao cesto, porque lá joguei algumas vezes em representação do Grupo Desportivo de Lourenço Marques. Também ali treinaram e atuaram algumas vezes, os seniores do CFVM que se tornaram os primeiros campeões de Moçambique em Basquetebol após o 25 de Abril e que no final da temporada, a sua grande maioria viajou para Portugal. Uns metros mais acima e na mesma artéria, na Av. Luciano Cordeiro (Alberto Luthuli) mesmo defronte dos restaurantes Peninsular e Coimbra (onde se preparavam dos melhores frangos à cafreal) foi construído o Campo de Futebol, denominado Estádio Eng. Freitas e Costa verdadeiro orgulho dos ferroviários ( como eram conhecidos os funcionários dos Caminhos de Ferro) que contribuíram de forma decisiva para a sua implantação. Inaugurado nos princípios da década 40, foi considerado como um dos mais belos campos de futebol do então chamado espaço português. Dotado de uma bela bancada central toda construída em pedra, emoldurada por uma pala com ligeira curvatura em cimento armado, apetrechada de camarotes e equipado com iluminação artificial. Sob o seu largo escadario havia treinos de ginástica desportiva e halterofilismo. A este rol de lembranças neste espaço e encontrando-me no seu interior como colaborador do jornal Diário-secção desportiva, consegui para a reportagem a presença do mítico treinador Jimmy Hagan que se encontrava nas bancadas a observar um jogo de juniores, numa partida arduamente disputada por muitos jovens oriundos dos bairros de caniço e que depois ingressavam nas equipas federadas. Segundo se constava, o mestre britânico estaria ali em missão de “espionagem” com dois nomes em agenda. Depois foi só chamar o fotógrafo de serviço para a foto da praxe. Decorria o ano de 1972, e o SL e Benfica encontrava-se em LM, para a disputa do Troféu TAP. Certamente que o campo do Ferroviário, foi palco de grandes sonhos para a generalidade de muitos jovens talentosos que procuravam rumar à Metrópole  à procura da fama e glória.  Era pois verdade que se dizia em Moçambique, sempre que nascia um jovem se estava perante um potencial desportista.

Manuel Terra

sábado, 19 de junho de 2010

A missa da juventude



Caminhando pela longa ponte que liga a margem do passado à do presente, a corrente das memórias arrasta-me para os inadiáveis encontros com ciclos de vida já percorridos. Recentemente tive conhecimento da passagem do 1º centenário da inauguração da antiga Igreja de Santa Ana da Munhuana, um pequeno templo religioso que contou com a presença do Príncipe D. Luís, que ainda hoje existe enquadrado na área do Colégio, que servia também para o ensino do catolicismo. Ficava situada na Av. Dr. J. Serrão (hoje Av. Emília Daússe). Contudo a minha evocação reporta-se à moderna igreja, construída na década 60 de conceção moderna e bastante ampla, localizada no cruzamento da Av. Latino Coelho (hoje Av.Maguiguane) com a Av. Paiva de Andrade (hoje Av.Mohamed Siade Barre) já muito próxima do Bairro do Alto-Maé. Outrora toda aquela zona era designada por Bairro da Mafalala e segundo quanto pude apurar, naquele terreno de terra solta onde se ergueu o santuário, lá se jogaram peladinhas animadas com o Eusébio, Vicente, Hilário e outras vedetas moçambicanas. A Igreja da Munhuana, nesse tempo estava confiada ao cónego Henrike, religioso holandês que coordenava a Ordem da qual faziam parte, muitos curas oriundos do país das tulipas. Recordo o velho monge que já contava muitos invernos, de barbas longas branqueadas pela idade, que cuidava ao pormenor do jardim envolvente. Tudo seria normal, se não fora um jovem padre que ditou que a missa dominicana às 8 horas e 30 minutos, fosse consagrada à juventude com a particularidade de ser cantada, permitindo aos jovens interpretarem em coro; Jesus Cristo Super-Star e a Montanha, acompanhados de conjunto musical bem afinado, os grandes êxitos do cançonetista Roberto Carlos, um grande ídolo da nossa geração. Eram centenas de jovens, que davam corda aos sapatos para estarem presentes na cerimónia. O espaço já se tornava exíguo para tantos devotos, fato que suscitou alguma polémica e incomodou a polícia do regime, independentemente de uma restrita liberdade, concedida ao clero. A oportuna intervenção do Arcebispo de LM, D. Custódio Alvim Pereira fez saber, que não via nenhuma sombra de pecado nas evocações, consideradas um hino e o sacerdote aliviado do rótulo de subversor estrangeiro. E foi embalado por esse movimento, que tive o ensejo de ouvir por diversas vezes na mesma igreja, a voz inconfundível do grande tenor Carlos Guilherme e grandes concertos da Orquestra Cívica e Coral Moçambicano. Foram momentos de gala, que retenho para a posteridade, assim como muitos que os puderam testemunhar naquele temp(l)o.
Manuel Terra

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O ensino das artes


A propósito de um e-mail que recebi, anunciando o 3º encontro nacional dos antigos alunos, professores e funcionários da Ex-Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque (hoje 1º de Maio), o permanente fascínio da evocação de velhos tempos de LM desvia-me a atenção para o imponente edifício(antigo Palácio Maçónico) que se distinguia pelos seus esbeltos pilares bem trabalhados, janelas em círculo e uma vasta escadaria que caraterizavam a sua fachada, virada para a Av. 24 de Julho, junto ao cruzamento com a Av. Augusto Castilho (hoje Vladimir Lenin) que a ladeava.  Era um símbolo na formação técnica das muitas gerações, que frequentaram aquelas instalações. Como é salutar recordar o estabelecimento de ensino, que preparou milhares de jovens para o mercado de trabalho através de várias áreas de especialização. Mais vocacionado para alunos do sexo masculino, visto ser reduzido o grupo feminino que frequentavam o curso de Laboratório de Química e Belas Artes. Certamente são muitos os que ainda recordam as suas longas oficinas, onde os jovens envergando fatos-macacos de caqui azul se preparavam para a vida e se tornaram grandes profissionais que hoje labutam nos quatro cantos do mundo como artistas referenciados. Recuperando esse trajeto de vida, lembro-me do velhinho campo polivalente em cimento, mesmo muito próximo da secretaria e do gabinete do Diretor. Muitas partidas de futebol de salão, basquetebol e alguns jogos de hóquei em patins eram observadas do alto muro, coberto de mangueiras de grande porte implantadas na superfície contígua da Missão da Juventude Operária Católica. No patamar cimeiro situavam-se os balneários, o refeitório e a cantina escolar. Ali ao lado o Ginásio, também conhecido pelo “galinheiro” e o seu pátio fronteiriço, onde se praticava aeromodelismo e o ensaio de ruidosos Kartings, montados nas oficinas de mecânica. No Verão, nomeadamente aos sábados à noite em sessões ao ar livre, servia também para a projeção de filmes. Subindo as escadas atingia-se o corpo central da estrutura, posicionada para a Av. Afonso de Albuquerque (hoje Ahmed  Sekou Touré)  onde se encontrava o portão mais utilizado por formadores e formandos. Cá fora num terreno baldio, jogava-se ao paulito, muito em voga na época. Não poderia terminar estas linhas, sem uma palavra de gratidão e eterna saudade a todo o corpo docente que já partiu para a viagem sem tempo, pelo testemunho que nos deixaram, relembrar funcionários e colegas que também já não se encontram entre nós e o grande apreço e consideração aos que ainda felizmente nos fazem companhia; um abraço fraterno a todos esses camaradas de turma, agora de barriguinhas salientes e cabelos brancos ou de visível calvície, mas sempre jovens de espírito. A mística da malta da Indústria, segue dentro de momentos em mais uma confraternização, para mais tarde recordar.

Manuel Terra

sexta-feira, 7 de maio de 2010

O Restaurante Piri-Piri


Na relembrança remanescente, de recordar um paraíso que recuso esquecer, fico com a sensação que por momentos o passado e o presente se resumem num só tempo, fruto do mórbido vício de desafiar as memórias sempre que o ensejo o proporciona. O meu flash de hoje suporta a imagem do inesquecível Restaurante o Piri-Piri, que se situava no cruzamento da  Av. 24 de Julho com a António Enes(Julis Nyerere) na zona da Polana, a mais excêntrica da cidade. Referenciado pelos seus atributos gastronómicos, o Piri-Piri (hoje com um novo visual) aos domingos encontrava-se sempre superlotado e só com muita dificuldade se achava uma mesa vazia. Todos os que se consideravam uns bons garfos, tinham certamente no seu currículo aquele estabelecimento de restauração. Partilhei, assim como muitos laurentinos dos seus divinais repastos em festas ou convívios, onde se comia a melhor galinha à cafreal, o bife à moda da casa ou os apetecíveis camarões grelhados no carvão. Refeições sempre acompanhadas de cerveja Laurentina ou 2M, beberricadas apressadamente para abafar o ardor picante, que os lábios não suportavam. Para facilitar a digestão do banquete, nada melhor do que atravessar a longa artéria que dava acesso à zona das praias e caminhar pelo magnifico Miradouro sempre belo e apaixonante, ornamentado de eternas trepadeiras floridas enroladas em estruturas de madeira, que se estendiam aos seus belos varandins avançados , construídos em semicírculos. Aquele pulmão verde, era um ótimo refúgio para o intenso calor que se fazia sentir e onde se respirava tranquilidade e bem estar.Do seu mirante podia-se contemplar a longitude do mar. Como era necessário gastar o tempo,  o percurso  estendia-se até à rampa do Caracol, palco de memoráveis provas de automóvel  e ciclismo. No regresso, a passagem pelo Pub a Canoa para relaxar e beber um whisky ao som de uma musica em tom baixo e agradável ao ouvido. Como é gratificante saber que locais tão emblemáticos como estes, resistiram à erosão  dos ventos humanos e continuam firmes nos lugares de sempre. São de fato todas estas visões do passado, que me recordam que um dia tive a felicidade de sentir outra forma de vida.

Manuel Terra

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Alto-Maé



Na persecução mordaz da nostalgia dos bons velhos tempos, assalta-me a memória um spot publicitário do Rádio Clube de Moçambique que propalava: O Ponto Final é, onde acaba a Central (outra zona da cidade) e começa o Alto-Maé. Sem qualquer alusão gramatical, tratava-se de uma afamada marisqueira localizada no cruzamento da Av. Pinheiro Chagas (Eduardo Mondlane) com a Av. General Machado (Guerra Popular) onde os crustáceos eram cozinhados com mestria e regados com cerveja de palato requintado ou do melhor vinho verde importado. Junto à sua entrada, o olhar espraiava-se pela longa artéria de três faixas de rodagem até ao buliçoso bairro do Alto-Maé, zona de transição das áreas suburbanas para a urbe de cimento. Era um verdadeiro marco no dia a dia de LM, dormitório de gente simples, trabalhadora e de sorriso nos lábios. Por algum tempo, os meus pais lá residiram, junto  à Casa Bem-Fica, mesmo defronte de um dos mais antigos estabelecimentos de modas, a Casa Fabião (hoje uma dependência bancária). Naquela linha onde fervilhava o comércio, em que tudo se vendia a preços mais acessíveis, crescia a azáfama de um formigueiro humano aparentemente sem destino, mas que rapidamente se descortinava nos mais diversos estabelecimentos e repartições. Gente multicor, que se cruzava ao virar de cada esquina e se movia ao ritmo que aquela terra reclamava. A maioria dos prédios mais altos, apresentavam nas alas laterais, a mais variada publicidade projetada, de inteiro agrado dos seus moradores. Nos seus baixos comerciais, quem já não se lembra da Saratoga, Papelaria Folques, Foto Coimbra desse grande profissional Armindo Afonso, do Cinema Infante (Charlot), passando pelo Restaurante 2024 (ricas bifanas), Pastelaria Paris, as instalações do B.N.U e da escola primária do bairro. Afinal nada se perdeu, apenas tudo se transformou. O Restaurante Imperial que eu frequentei em comemorações festivas de amigos, era conhecido pelo seu arroz branco acompanhado de longos lagostins, grelhados no melhor carvão do interior e pincelados de um molho especial. Como é agradável citar o Restaurante o Leão d`Ouro que se orgulhava de ser o melhor em todos os pratos onde entrasse o fiel amigo. Na sua esplanada encontravam-se instaladas colunas de som, que nos proporcionavam ouvir aos domingos os relatos de futebol, difundidos pela Emissora Nacional, com os golos do Eusébio a serem festejados efusivamente. No término do bairro, ficava o edifício dos correios e no virar para o Largo Albasini o carismático Bazar Rajá, comércio hindu onde vendedores de cofiós na cabeça e mulheres trajando vestes de sari, excediam-se na simpatia acrescentando à venda dos produtos, um “saguate”(pequena lembrança) na sua tradicional sagacidade e arte de bem vender. Era assim o Alto-Maé de outrora, que encantou gerações do meu tempo e que certamente residirá no imaginário de todos aqueles, que nunca puderam voltar.
Manuel Terra

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Assalto às memórias !



 


Amanheceu lindo, em Maputo, o dia 9 de Agosto do passado 2009. Era um domingo especial, esse dia, diferente de tantos domingos. Para ele  tinha eu reservado o início do grande assalto às memórias que o tempo resguardou intactas, apesar dos 35 anos já decorridos.
Quando acordei e dei comigo deitado numa cama de um Hotel no centro da cidade, saltei como que impulsionado por uma mola, e corri para a varanda disposto a enfrentar o impacto visual que só (digo eu) Maputo proporciona. Abri e fechei os olhos várias vezes. Aquilo que foi um sonho alimentado por um desejo crescente em o tornar realidade, estava a acontecer. É difícil, senão impossível, descrever por palavras as emoções que nesse momento se apoderaram de mim.
Socorri-me da camera fotográfica para perpetuar as imagens do meu contentamento. Não desliguei a máquina sem antes lhe prometer para esse dia, afincado trabalho sem folgas para descanso.
Nessa manhã o duche foi mais curto que o costume, mas a ânsia de pôr os pés a caminho do “fundo” de um sonho, impôs-se.
No pequeno almoço, dei o papel principal à papaia acompanhada de um delicioso sumo de goiaba. Entre cada trago, acendiam-se as luzes da memória e ficavam a descoberto episódios que já tinham sido colocados no arquivo morto, por ordem da mente.
Uma vez chegado à porta de saída (que também era a de entrada), perfilei-me em frente ao belo edifício da Sé Catedral e enquanto olhava para a escadaria de acesso à mesma, descortinava em mim, um miúdo em traje domingueiro, pela mão do seu pai, ao lado do mano mais velho, a caminho da habitual cerimónia eclesiástica. Contrariado sim, mas obediente.
Comecei então a cumprir o que tinha prometido à camera fotográfica. E ia na minha segunda fotografia, quando um jovem taxista vem ter comigo, alertando-me para o risco de estar a enquadrar um edifício que era do estado. E isso é crime que a polícia não deixa escapar adiantou o mesmo. Expliquei-lhe que estava a fazer uma fotografia panorâmica e que esse edifício não merecia qualquer destaque. Mas acabei por “meter a viola ao saco”, ou seja, a máquina na sua bolsa e agradeci ao jovem o alerta que me deu.
Ainda com tanto para contar acerca desse dia fantástico e já o texto vai demasiado alargado, recomendando um segundo capítulo para próxima oportunidade.
Entretanto, sejam felizes, por favor !


Aurélio Terra

domingo, 4 de abril de 2010

Os encantos da Marginal



Continuando as caminhadas em busca de um tempo vivido, a linha do horizonte deixa-me transparecer imagens das belas tardes domingueiras que passei, assim como muitos citadinos na extensa Marginal, pejada de altivas palmeiras e de bancos que se estendia desde o imponente edifício da Fazenda Pública (hoje Ministério das Finanças) até à Praia do Miramar, em passeio de cimento desenhado aos quadrados. Dali podia-se observar a vastidão da Baía do Espírito Santo, das águas calmas que suavemente beijavam a sua muralha, de forma quase romântica. Aquela Marginal sempre povoada de passeantes, que faziam um compasso de espera quase todas as vezes que um pescador desportivo, acelerava a alavanca do carreto da cana de pesca trazendo como troféu, um exemplar de peixe-serra ou mesmo uma corvina. Do lado de lá avistava-se a Vila da Catembe, com a sua linda praia aos pés. Ainda antes do meu regresso, foi inaugurado o cais do ferry boat que fazia a ligação para a outra margem. Defronte da Marginal situava-se o afamado Restaurante Zambi, sendo o seu salão de festas referenciado por bailes sem conta, abrilhantados  pelos Nigth-Stars ou o AEC. Quantos jovens e adultos não recordarão esses ritmos? Na explanada, entre umas cervejas e petiscos, sentia-se o agradável sossego de um convite à meditação. No pinheiral junto à casa do Minho, famílias e amigos resguardando-se da canícula, consolavam o estômago em animadas merendas. Nos terrenos subjacentes erguiam-se as instalações da FACIM (Feira Agro-Comercial- Industrial de Moçambique) visionada por milhares de visitantes. O seu interior ostentava pavilhões dos quatro cantos do mundo, gente que procurava mercado para os seus produtos. Já ao cair da tarde, um hábito criado era a passagem pelo quiosque dos gelados, junto à Rotunda Luminosa e próxima do Clube Naval, para se saborear um delicioso sorvete de baunilha ou morango. O passeio só viria a terminar, passando pela verdejante zona de eucaliptos, que envolviam as instalações do Ginásio local. Tinham de facto fama, aqueles memoráveis passeios que caracterizaram de uma forma muito especial, a vida quotidiana daquela época.

Manuel Terra

sexta-feira, 26 de março de 2010

De novo, "Retornado"




Naquela manhã do dia 8 de Agosto do ano de 2009, mal reparava no que acontecia à minha volta. Toda a minha atenção se concentrava no meu relógio de pulso. Tentava, em vão, empurrar com os olhos da alma, os ponteiros dessa máquina do tempo. Ansiosamente, aguardava na sala de embarque do Aeroporto de Lisboa, a chamada dos passageiros para o voo que me levaria, 35 anos depois, à capital das minhas memórias. Já tinha acertado a hora, pelo fuso horário de Moçambique.Com este acto, impulsivo, sentia-me já com um pé na cidade de Maputo.
Há esperas que parecem durar uma eternidade. Dez horas e trinta minutos separavam-me do alvo do meu desejo.
Uma vez no ar, envolvi-me  muita vezes com as minhas emoções. Cheguei a duvidar que conseguisse sentir-me turista naquelas férias. Pensei que este regresso ao passado iria ignorar a razão para que tudo ficasse por conta do coração. À medida que me aproximava dessa pérola do Índico, as batidas cardíacas aceleravam a um ritmo preocupante. Vi-me obrigado a fazer algumas “fugas” à emoção para reencontrar o melhor equilíbrio possível.
Já em voo descendente, abandonei o coração à sua sorte. No avião, alguns “colegas” de voo, denotavam a mesma ansiedade. Cruzávamos  o  olhar   e partilhávamos  a emoção sem qualquer suspiro. O momento era de silêncio. Os rostos contraiam-se, os olhos cerravam-se amiudadamente.
O cinto de segurança, teimosamente, recusava-se a fazer o encaixe, entregue que estava ao tremular das mãos. O assento parecia demasiado  pequeno para tanta agitação.
Naquele momento em que o avião tocou o solo do aeroporto de Maputo, restabeleceu-se o cordão umbilical que me tinha ligado àquela terra, há tantos anos.
Enquanto descia as escadas do avião, os pulmões deliciavam-se com aquele ar Africano.
A espera pela entrega das malas, foi mais demorada que o habitual, mas uma avaria no tapete por onde estas são entregues, assim o determinou. Não me perturbou essa demora, pois estava ainda a tragar, deliciado, o cheiro, as cores, as formas… daquele pequeno espaço de recepção ao viajante. Em qualquer outro lugar do mundo, apontaria a dedo as carências que esse espaço revelava, mas ali, os meus olhos só “viam” o que a alma queria. Não me sentia um viajante qualquer. Era, de novo, um “Retornado”, ainda que essa condição tivesse os dias contados.
Na posse das malas, dei a partida para o assalto às memórias.

Aurélio Terra

quinta-feira, 11 de março de 2010

A baixa citadina


A cada dia que passa, mais distante pareço ficar das minhas vivências que me fogem como um amor perdido. Resisto e remexo o passado e nas poeira das memórias vislumbro  recordações da antiga  Lourenço Marques. Tento rever  o cruzamento da Av. da República (25 de Setembro) com a Av. D. Luis(Samora Machel) que servia de modo ímpar o núcleo comercial da baixa citadina, famosa pela referência das inúmeras lojas, escritórios, restauração e vendedores de artesanato. Naquela cidade, tudo crescia a um ritmo alucinante. Depois da saída do trabalho, todos os caminhos pareciam convergir para as artérias da baixa. Era considerada a hora de ponta e o semáforo ignorado, pela presença do polícia sinaleiro que do alto da sua  peanha   num ritual de apitadelas e braçadas, dava a sensação de arbitrar os destinos de peões e automobilistas , que por ali passavam. Os largos passeios estavam superpovoados de transeuntes que pouca importância davam ao tempo. O Café Scala (hoje descaraterizado), Continental(atualmente encerrado) e o Djambú  eram preciosos testemunhos de uma época áurea, com as suas esplanadas sempre a abarrotar de clientes habituais, que em momentos de relaxe entre um café e uma cerveja, soltavam sílabas esfumadas entre dois ou três cigarros queimados. Era nessa área comercial que se situava os Armazéns John Orr’s afamados pela importância sedutora e sensual, das modas europeias. Muito próximo a Casa Coimbra era também um marco na venda de vestuário. Defronte  do Mercado Municipal, localizava-se a Casa Elefante que vendia as mais lindas capulanas de cores vivas e garridas. Da arcada do Prédio Nauticus, soava a musica yé yé  de discos vinil, difundida pela Discoteca(nada de confusões) Poliarte que vendia  também livros e obras de arte. Lembram-me também as matinés de fins de semana, no Teatro Scala e no Cinema Avenida, com preços especiais para estudantes. No final da baixa, em terrenos térreos instalava-se o Luna Parque que fazia a felicidade dos petizes e a distração dos adultos no mundo das diversões. Quando o sol se despedia dos laurentinos, disparavam os deslumbrantes néons publicitários instalados em tudo que era sítio, tornando a noite mais mágica e atraente. São estas imagens da outra face do tempo, que permanecerão infinitamente no subconsciente da imensa gente que viveu e continua a amar aquela terra.

Manuel Terra

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Recargas

 

Depois de uma peregrinação de duas horas, a pé, visitando os locais mais emblemáticos da minha mocidade vivida em Maputo, fiz uma pausa retemperadora, num café do Alto-Maé.
O sumo de Lichia parecia caído do céu. À medida que o copo se esvaziava as forças voltavam, dando-me a confiança necessária para continuar por mais umas horas a minha romaria.
Enquanto regalado, fazia o ajuste de contas com o desejado néctar, reparei que em frente ao balcão do café, se alinhava em fila indiana gente que após breves instantes saía dali com uma  “tira “ cheia de cartões do tipo “raspadinha “ , depois de aliviarem o bolso de alguns meticais.
Aquele vaivém de pessoas que pareciam viver um ritual habitual, despertou-me a curiosidade.
E como gosto pouco de guardar dúvidas, solicitei um esclarecimento ao cortês empregado de mesa.E disse-me ele, que aquele movimento, para mim  inusitado, se devia à venda de recargas.
Fiquei na mesma. O que seriam as ditas “recargas”?
Não quis abusar da disponibilidade do referido empregado e saí com a dúvida a morder-me os neurónios.
Na rua, tinha já reparado em inúmeros jovens, que vestiam um colete de um amarelo, luminescente com a inscrição “ Compra o teu giro comigo”.
Assim, da dúvida à certeza foi um instante. Aqueles jovens, traziam consigo as tiras com recargas para telemóveis. Percebi então que em função do valor pago pelo cliente, assim era entregue o cartão do tipo “raspadinha”
O cliente que vira baixar o  saldo do seu telemóvel  para níveis preocupantes, adquiria esses cartões e raspava a zona criada para esse efeito, pondo a nu um código de vários números. Esse código era introduzido no telemóvel, e como que por magia o  Bula Bula (*) regressava às máquinas.
Esses jovens creditados para a venda das recargas, percorriam toda a cidade, muitas das vezes em grupos de dois, e onde estivesse a necessidade do cliente, estavam eles em forma de solução instantânea. E  pensei  que esta situação era mais uma oportunidade para aplicar o ditado “Se Maomé não vai à montanha a montanha vai à Maomé”
Não estando as novas tecnologias, em Moçambique, ao alcance de muitos, como acontece na Europa, as empresas de telecomunicações encontraram uma forma rápida e eficaz de colocar à disposição dos clientes, estas máquinas humanas de colete vistosos, sempre tão prontos a satisfazer os clientes.
Parece-me que esta forma de simplificar os problemas com recurso a metodologias criativas, é uma característica  vincada do povo Moçambicano que sabe aguçar o engenho quando a necessidade aperta.

Aurélio Terra

(*) do Tsonga, significa conversar

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A antiga praça

 

Nas viagens ao passado, repetidamente retocadas pala emoção e saudade, a antiga Praça 7 de Março (hoje 25 de Junho) merece necessariamente motivo de realce. Segundo rezam, as crónicas da época, aquela praça outrora um modesto jardim foi o berço do nascimento da bela cidade das acácias. Foi daquele local que se traçaram a régua e esquadro, as artérias que ligariam a parte baixa à ala mais elevada da cidade. Ficava a dois passos de tudo e, configurava com a célebre casa amarela, antiga residência dos governadores (hoje Museu Nacional da Moeda) com o Banco BCCI e com a antiga Fortaleza. Em frente encontrava-se erguido o monumento a António Enes e a porta de acesso à zona portuária, por onde passei inúmeras vezes para apanhar o “gasolineiro” que fazia a travessia da Baía Espírito Santo com destino à Catembe. Recordo o seu bem concebido coreto, onde atuava a Banda musical do Ferroviário e a zona das esplanadas rodeadas de canteiros de flores garridas e de um arvoredo protetor contra o sol inclemente. Olho-a e vejo a famosa esplanada do Café Nicola, onde os seus habituais frequentadores, entre uma meia de leite e uma torrada, folheavam páginas dos matutinos citadinos e alimentavam conversas, que não se falando de nada, falava-se de tudo. Por lá terminavam os passeios clássicos de famílias e amigos, depois de repousarem nos tradicionais bancos de ripas à fresca. A garotada corria pelos passeios e interiores em brincadeiras próprias da sua exuberância à espera do apetecido lanche, quase sempre uma arrufada ou uma bola de Berlim, acompanhada de uma Coca-Cola bem gelada. Ao entardecer como era agradável sentir o cheiro de maresia, emanado do Cais Gorjão. Também me lembro que nesse espaço verde se realizavam feiras do livro. Hoje quanto sei têm lugar na Praça todos os sábados, feiras de artesanato muito procuradas por todos os turistas que deambulam pela Baixa, à procura de uma valiosa recordação. A antiga praça jamais perderá a virtude de se tornar num símbolo histórico, que marcou várias gerações de gente que a conheceu e lá viveu.

Manuel Terra

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Maputo-Cidade viva

 

Começa bem cedo o dia, em Maputo.Assinala o relógio as 5h30  e percebe-se logo que a cidade vai encher. Oriundo  de todos os quadrantes, como formiguinhas seguindo o seu carreiro, “desagua” na Capital, gente com os mais diversos fins.
Num ápice a memória se socorreu de lembranças passadas, fazendo-me recordar  que nos meus tempos de estudante, naquela terra,  acordava bem cedo para estar a horas na escola, onde às 7h15 começavam as tarefas escolares.
Os acessos rodoviários à cidade de Maputo, congestionam-se. Os “chapas” (1) não têm rodas a medir. Vão e vêm repletos de gente, que se comprime para criar, sempre, um lugar para mais um.Parecem não ter paragens muito definidas.Sempre que há gente para entrar ou sair, a paragem faz-ze. A utilidade deste meio de transporte é inquestionável, embora os padrões de segurança sejam letra morta.
Para a Catembe, partem apinhados de gente, os ferry-boats. Saem a toda a hora.O serviço é contínuo. È partir, chegar e voltar a partir. Não há pausas.
As ruas de Maputo, em pouco tempo, conhecem uma multidão numerosa e compacta.É gente que vende, gente que compra, gente que passeia, e gente que não dispensa um “bom dia” à prazenteira terra, mesmo que seja apenas para dedicar parte do seu tempo à Bula Bula (2).
Ao fim do dia, e com a noite  instalada, olhava para a cidade a partir da varanda do hotel. Impressionante a velocidade a que a cidade se tinha despedido da sua gente. Não descortinava uma viva alma.Parecia mesmo que alguém tinha tirado o tampão da cidade e que por aí se tinha escoado a povoação. Puro engano! Na zona do Zambi e da Polana os restaurantes dignos desse nome estavam quase a rebentar pelas costuras. Nas mesas, gente de todos os feitios e cores parecia estar a começar o seu dia, tal era a vivacidade  com que trocavam dois dedos (seriam mais) de conversa, enquanto davam ao marisco acompanhado duma Laurentina, preta ou dourada, o destino que lhe foi traçado, a partir do momento em que consultaram a ementa.
Claro que não se come só marisco, nem se serve de bebida apenas  cerveja. Os amantes de uma boa carne também não ficam decepcionados, mesmo que queiram acompanhá-la com um bom vinho português.Neste caso, terão que puxar um pouco pelos cordões à bolsa.Há sempre a alternativa dos vinhos sul-africanos, que castigando menos a carteira, também apresentam uma apreciável qualidade.
Na zona da boa restauração, onde se vive com intensidade o último terço do dia, é sempre bom ver , a presença de forças de segurança, quer privadas quer públicas.
E no fim do dia, pensava para mim, que isto de se ser Africano (de nascença ou  de coração)é  uma forma muito própria de se estar na vida, mais do que o próprio facto de se ter nascido naquele continente.
Que bom foi reencontrar Maputo cheio de vida!

Aurélio Terra

(1)mercado paralelo de transportes rodoviários semi-colectivos, em média com uma capacidade para 12 pessoas, explorados por privados

(2)do tsonga significa conversar

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Costa do Sol


Agora que o inverno se faz sentir e a neve caí, já a saudade do tempo quente me apoquenta. Assolam-me à mente em progressões rápidas, imagens de outrora, daquele calor tropical húmido que nos fazia suar o corpo, pacientemente aceite como uma bênção da natureza. Perco-me na visão da praia da Costa do Sol. Rebobino a memória em busca das brumas do tempo e revejo o terminal da Av. da Marginal, onde findava o asfalto. A esse espaço chegavam os machimbombos , avermelhados e de tejadilhos brancos, os da carreira nº 1 e da 17, apinhados de veraneantes que demandavam aquela zona balnear, para mergulharem nas águas tépidas emanadas do Índico. A grande mancha de pinheiros, ajudava a disfarçar a brasa que se fazia sentir. Ainda me lembro de nessa extensão, os automóveis a circundarem na viagem descendente, do tradicional passeio dos “tristes”, que começava e acabava na zona do Zambi. Depois do banho, eram as correrias sobre a areia escaldante, em direção às toalhas para dar lustro ao bronze. Aqui ou acolá surgiam fundeadas, pequenas embarcações da pesca artesanal. Como era curioso observar de perto o movimento rápido dos caranguejos, num constante vaivém, fustigados pelas ondas do mar. As amêijoas, como que envergonhadas, escondiam-se rapidamente perfurando a terra molhada. À praia da Costa do Sol, não se podia deixar de associar o restaurante do mesmo nome, ou do grego. Concluído na década 30, símbolo da dinâmica dos seus fundadores e uma alusão da restauração na capital moçambicana, sobejamente conhecido dos turistas sul-africanos. No seu imenso salão de refeições, serviam-se pratos típicos da cozinha portuguesa, moçambicana e indiana. Na velha e longa varanda, estendiam-se inúmeras mesas, onde eram degustados divinais camarões grelhados com tempero esmerado, acompanhados por cervejas (Laurentina e 2M) bem geladinhas, sorvidas em goladas compassadas. Antes de regressar ao velho continente, em tertúlias de amigos por lá desfrutei de bons momentos de convívio, que só terminavam com o romper da aurora. Rejubilo-me saber, que a Costa do Sol do passado, continua pelos melhores motivos a ser uma referência do presente.

Manuel Terra