sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O Jardim Botânico






Nas viagens ao passado, toca-me de uma forma muito especial o antigo Jardim Botânico Vasco da Gama, que no portão principal ostentava um majestoso arco trabalhado, em estilo manuelino. Sei que desse arco foram retiradas as esferas e as cruzes de Malta. Hoje designa-se Jardim Tunduru. À frente da entrada figura uma estátua do Presidente Samora Machel. Como se localizava muito próximo da Escola Industrial, sempre que havia uma “borla” (correspondente a uma falta de presença do professor a uma aula) eu, o meu irmão e muitos colegas, descíamos a Av. Augusto Castilho/Vladimir Lênin e pelo portão fronteiriço ao Edifício do Rádio Clube dirigíamo-nos para o interior daquele maravilhoso pulmão verde. Como já seria de esperar a primeira paragem era nos courts de ténis, para observar as elegantes”bifas”(sul-africanas) que batiam umas bolas, mais para cuidar do físico do que propriamente competição.
Depois calcorreávamos, as suas ruas alcatroadas e abraçadas por árvores de grande porte, devidamente classificadas sobre as espécies e origens. No centro do jardim, avistava-se um moderno coreto, onde nos tempos da minha infância os meus pais nos conduziam quase obrigatoriamente aos concertos da Banda Musical da Região Militar e a programas de variedades. Também não esqueço as suas belas fontes esculpidas por artistas de grande talento. Depois era a passagem pelo longo corredor, coberto por enormes trepadeiras que cobriam os velhos bancos de ripa verde, recôndito de muitos Romeus e Julietas que tentavam escapar a olhares furtivos e aos raios solares. Defronte surgia a grande estufa, recheada de múltiplas plantas indígenas e exóticas onde reinava um silêncio relaxante só quebrado pelas quedas de água que beijavam suavemente as pedras da sua magistral cascata. Mais longe a vozearia das rãs eram o indicador do lago dos patos e gansos, que disputavam como danados os amendoins lançados por gente que circundava em passo lento, às voltas do mesmo. Por fim era a debandada apressada, para o regresso às aulas que se seguiam. Para trás ficava aquele oásis de sombra da população laurentina, sinónimo de descanso, amores e diversão, que ficará para sempre imortalizado na memória de todos aqueles, que um dia tiveram o privilégio de o visitar.

Manuel Terra

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Catembe, o outro lado de lá!




Do outro lado da Baía que abraça Maputo está a  Catembe. Atrevo-me a afirmar que ninguém pode dizer que conhece Maputo sem ter ido à Catembe. A viagem, de barco demora tão só 15 minutos. É uma viagem onde nos instalamos de costas para o destino, pois não conseguimos tirar os olhos de Maputo, tal é a beleza que desfila no horizonte ao jeito de um “Zoom Out”.
Sempre disponíveis para a travessia, num vai-vem permanente estão os incansáveis ferry-boats, com uma idade que justificaria a sua reforma. Constitui até um desafio, tentar perceber qual a cor que já revestiu essas embarcações, tal tem sido a verocidade da ferrugem, que não precisa de muito para arrasar qualquer, descuidada,  superfície de metal ferroso. Este é um transporte que desconhece o que são horários e que alberga sempre mais um passageiro, nem que seja ao colo de outro. Confesso que como europeu me causa algum embaraço ter que me acomodar num regaço que não seja objecto de livre escolha. Assim, não me restou outra alternativa, senão a de viajar no batelão, que pelo facto de obrigar à compra de um bilhete mais caro, já tem lugares disponíveis. Neste caso, os horários estão bem definidos e, o que é mais interessante  é que  são mesmo cumpridos.
Então, de costas para a Catembe fui partilhando com a máquina fotográfica os excepcionais enquadramentos que Maputo oferece. E durante  um quarto de hora senti-me a passear  pelo tempo, enquanto me deixava acariciar pelas memórias. E acabei por viajar ao  colo do regressado passado.



Após o desembarque na Catembe, e porque o estômago fazia questão de me lembrar constantemente o seu vazio, procurei arranjar alguma cabine telefónica donde pudesse ligar para o Restaurante Marisol. Impunha-se uma operação de resgate, já que só um 4x4 conseguiria vencer a esburacada estrada em terra batida que liga o cais ao restaurante..
Depois de bem suar as estopinhas, lá consegui uma ligação para o Marisol, que,diga-se em abono da verdade, prontamente veio em meu socorro.
Este restaurante continua a ser uma referência da boa gastronomia, tal como acontecia no tempo em que as refeições se pagavam em dinheiro português. A sedutora natureza que envolve o Marisol é um extra que ajuda a memorizar este local.
Terminada a refeição, atraído pelos contornos da bela cidade de Maputo, desfiz-me das sandálias, e por bem mais que uma hora caminhei, na praia,  embriagado pelas lembranças que o tempo não conseguiu rasurar.
No regresso, optei de novo pelo batelão, fazendo desta vez o “zoom in” que as fotografias testemunharão para sempre.

P.S. Nesta data, entrou já em funcionamento, na ligação Maputo-Catembe-Maputo, uma nova embarcação baptizada com o apelido  “Mpfumo”. Tem lugar para 250 passageiros, dez viaturas ligeiras e quatro camiões de 10 a 15 toneladas.


Aurélio Terra


quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Memórias do Bairro da Munhuana





Após visionar as imagens captadas pelo meu irmão Aurélio na sua recente viagem a Maputo, chamou-me especial atenção a degradação e o desleixo visível da parte imobiliária e das suas belas e invejáveis artérias. O r/c do pequeno prédio (com grades) e a rua onde moramos durante quinze anos (Luciano Cordeiro/Alberto Luthuli ), contíguo ao Bairro da Munhuana, são a prova do que acabo de citar. Por momentos, fixando aquelas imagens e porque o passado mexe com as nossas emoções, pareço recordar aquelas partidas de futebol inventado, com uma pequena bola plástica que consistia em movimentos de três contra três e introduzir o esférico nos módulos em circulo que envolviam o tronco das frondosas acácias, que serviam concretamente para a rega muitas vezes levada a efeito pelos moradores. Os mesmos troncos eram o alvo predileto para a colocação de tabelas de basquetebol, que proporcionaram partidas renhidas e participadas e que só terminavam com o pôr-do-sol. Lembro-me que num canteiro, junto ao portão onde as flores foram esquecidas, aquela pequena área de terra batida, valia pelos os inesquecíveis jogos de berlindes. Pareço ainda recordar o bulício dos carros de rolamentos que deslizavam freneticamente sobre o largo passeio, transformado em circuito de corridas, para desespero e irritabilidade dos moradores. Vejo ainda o velho muro do quintal, agora a ruir onde nos sentávamos, confidente da nossa irreverência e espírito de aventura. Meu Deus como o tempo passa. Agora só as velhas acácias que ainda hoje perduram e que nos aliviaram daquelas tardes cálidas se prontificam testemunhar toda a nossa felicidade. A realidade de Maputo jamais conseguirá apagar as recordações do nosso encantamento, de quem viveu na pérola do Indico. Apesar de tudo ó cidade envelhecida e também a rejuvenescer, confesso que continuarei a amar-te, sentindo em mim o perfume eterno emanado da tua beleza e cor, dos teus mistérios e feitiços, que ninguém consegue explicar.
 
Manuel Terra


terça-feira, 13 de outubro de 2009

Africa


Pau Preto



O artesanato em pau preto é vivamente procurado pelo turista que visita Moçambique.
Em muitos dos passeios que ladeiam as avenidas de Maputo, desfilam as peças de artesanato desse ébano africano. Confesso que me intrigou o facto de haver tanta disponibilidade da natureza, em doar essa ebanacea que o artista molda ao sabor das suas emoções.
Informou-me um expert na matéria, responsável por uma galeria de arte que visitei em Maputo, que algum do pau preto exibido nas bancas improvisadas, debaixo das acácias, nada tem digno desse nome.
Na realidade, e ainda segundo o especialista referido, algumas peças de artesanato quando finalizadas são sujeita a um banho de vioxene (aportuguesamento do francês vieux-chêne) que escurece a madeira. Mas, não fosse turista, desconfiado dar pelo logro, a graxa em preto devidamente polida completa a ilusão. Lembro-me de ter ficado intrigado ao ver, no mercado central de Maputo, um vendedor de artesanato a dar lustro às suas peças, através dos movimentos bem ritmados de uma escova que pela aparência já tinha acariciado muita obra.
Mas, acima do valor da matéria prima, sobrepõe-se a alma do artista que através de golpes de formão, delicadamente, perpetua as sua vivências. Ele sabe, que nem ele nem mais ninguém esculpirá outra peça igual. Cada obra é única, porque não se sujeita a técnicas de produção industrial.
Moçambique, é sem dúvida um País de gente vocacionada para as diferentes expressões da arte. O processo técnico, transmitido de geração para geração ganha expressão muito própria, quando o artista liberta o seu mundo existencial.

A velar pelo meu sono, tenho na mesinha de cabeceira, duas galinhas do mato em pau- preto (não cheiram a graxa), que todos os dias me fazem rememorar essa terra que me enfeitiçou.

P.S. A árvore de pau preto, cientificamente designada por Diospyros mespiliformis, é constituída por uma parte lenhosa exterior de cor clara e uma interior de lenho preto. Essa cor e a particular dureza que caracteriza a madeira, só é adquirida quando a árvore apresenta uma idade já avançada. Esta árvore, encontra-se em maior número no norte de Moçambique

Aurélio Terra

domingo, 11 de outubro de 2009

Kruger Park



Só mesmo a perspectiva de reencontrar a savana africana me faria levantar às 5 horas da madrugada para rumar de Maputo até ao Kruger Park. Mas também, o dia em Moçambique começa muito cedo, anunciado pelo canto do galo, pois há que aproveitar as horas de sol, que a noite depressa se faz anunciar.

Duas horas em princípio são o bastante para ligar Maputo ao Kruger Park, embora as formalidades de fronteira possam estender a duração do percurso.

Chegado ao alojamento no Kruger, desembaracei-me das malas e sentei-me a contemplar o quadro que a natureza me servia e que Monet não desdenharia pintar.
Olhando para o relógio, muitas vezes me assaltou a vontade de adiantar os seus ponteiros, pois esperava ansiosamente, pela 17h30, altura em que se daria início ao Safari Fotográfico, nocturno.

Chegada a hora, saltei para a aventura, que é como quem diz, subi para o jipe, sem reparar que ia mal acondicionado, no que à roupa diz respeito. Bem me avisaram que ali, depois de anoitecer, o frio é implacável. Mas dali já ninguém me arrancou. Antes de por o jipe em movimento, o guia deu a conhecer os cuidados essenciais a observar durante o Safari. Os últimos conselhos, já nem os memorizei convenientemente, porque a emoção, falava mais alto e bloqueava-me alguns sentidos.

Poucos metros após a entrada no Park, estávamos ( eu e mais doze caçadores de imagem) já debaixo de olho de uma manada de Búfalos. Olhavam desconfiados para nós mas seguros do seu papel de vigilância. Aos 14 anos tinha eu tido um encontro com esta “gente” e quase fiz, então, de tapete para o galope dos bovídeos. Agora parecia que me olhavam dizendo que já me tinham avisado há 40 anos que aquilo não era terra para homens. Submissamente desviei o olhar e quase que sugeri ao guia que partisse para outro “quadro”. A noite depressa se impôs, enquanto a temperatura descia vertiginosamente, castigando a minha imprudência de não ter levado os agasalhos necessários. Enrosquei-me numa manta que sabiamente o guia  deixou em cada lugar do jipe e improvisei um gorro que deve ter sido motivo de chacota entre os animais que me olhavam.
E Kruger adentro, com quatro focos rasgando a escuridão, seguíamos nós, até que, vindo do nada se atravessou na frente do Jipe, pachorrentamente, um imponente Hipopótamo. De modo desajeitado, livrei-me dos agasalhos e enquanto procurava precipitadamente a melhor configuração para a máquina fotográfica, naquele momento, o “bicho” quase desaparecia sem que o alvejasse com o flash. Bolas, por alguma razão as máquinas têm a opção automático!
A partir desse momento, deixei de me preocupar com o frio, embora estivesse mais parecido com um volumoso cubo de gelo. Será exagero, mas era assim que me sentia!
Enquanto o safari prosseguia, iam desfilando alguns animais de segunda categoria. Sim, que na selva também há os mais e menos notáveis.
Quando pensávamos que as máquinas já poderiam ser guardadas nas suas bolsas, o Jipe parou bruscamente. Ali a poucos metros estava agachado um leopardo que preparava o ataque a grupo de impalas, petrificadas, ignorando o perigo que se avizinhava. Mas com os focos incidindo todos sobre o felino, não restou a este outra alternativa, que não fosse a de adiar a ceia para uma ocasião com menos convidados.

E a jornada chegou ao fim. Despedimo-nos do guia, que nos disse que no dia seguinte haveria mais. E houve. Foi a vez do safari diurno.
Embora à luz do dia tenha havido mais encontros, muito mais, o safari nocturno, pelo enigma que a noite guarda foi uma experiência extraordinária.

Palavra de honra!

Aurélio Terra

sábado, 10 de outubro de 2009

Inhaca


Inhaca-Ao sul de um sonho!

Para quem está em Maputo, o desafio é simples. Uma pequena mala cheia de boas vontades e 15 minutos de ansiedade, nas asas de uma avioneta, que o paraíso está próximo!

Com os pés em terra firme, o viajante percebe de imediato que ali fica o outro lado da vida. É  aquele lado, onde ninguém corre, porque o futuro pode esperar. E extasiado o visitante percebe que aquele ar que se respira e o calor que sente é o princípio de um mundo encantado onde as cores quentes estendem os seus braços para que neles se apertem os sonhos mais inocentes.

Os ilhéus são gente humilde que da terra e do mar retiram porção da sua sobrevivência porque o resto vem do sorriso encantado do turista, que não resiste à disponibilidade de quem sabe que a vida se faz da partilha. E dão muito, porque dão tudo e ainda assim acham que tudo não é nada, porque dali a pouco o visitante, com a mala cheia emoções, partirá.

Altivos e vigilantes, estão os coqueiros, generosamente recheados de cocos, que de quando em vez se precipitam e caem aos pés (prefiro pensar assim) do visitante, para que olhe para cima e receba as boas vindas. Vivendo mais junto à terra estão as maçalas que espalhadas por toda a ilha parecem impregnadas de um verniz que a juventude ainda lhes permite ostentar. Mais tarde, já maduras sabem que o seu destino, mais do que saciar a “fome” do seu senhor será o de se transformarem, em palco das emoções gravadas na sua casca pelo artista que orgulhosamente desafia o turista a transportá-las para o outro lado do mundo.

Das suas várias pontas, sobressai na ilha, a de Santa Maria, que debaixo das  águas transparentes, guarda os corais de uma vida que abriga seus filhotes. À sua volta, em peregrinação constante ondulando vaidosamente o corpo, estão, dotados de uma beleza cromática, única, os peixes que já não se surpreendem com os olhares esbugalhados do mergulhador que se sente parte de um conto de fadas.

Vale a pena, subir ao farol, É uma subida que desafia as melhores capacidades físicas do turista, que pelo meio da ascensão faz uma paragem estratégica, não vão as forças faltar, sabendo que dali a pouco um mundo novo se abrirá. Chegado ao cimo do farol é o momento onde pequenino o visitante olha para a grandeza da vegetação que cobre de verde a ilha e que faz de tecto às suas gentes. E fechando os olhos o “invasor” sente-se conquistado por um número sem conta de notas  musicais tocadas rapidamente e repetidamente por milhares de seres pequeninos que debaixo das suas asas guardam uma generosidade tão grande. Que pena que do outro lado do mundo não seja assim.

Meu Deus, como é divino o pôr do sol. Ele que atrevidamente, desce ao compasso das horas e pincela o céu com as cores e tonalidades que paleta alguma é capaz de albergar. Sente-se que o vermelhão se entende tão bem com os tons violetas e que tudo se sombreia rendido aos encantos da luz. É um horizonte esplendoroso que desfila perante o rendido visitante que sofregamente castiga o botão da sua máquina fotográfica na ânsia de ser capaz de guardar naquela caixinha as emoções que se atravessam na sua alma.

Tanta  coisa ainda por dizer, e por mais que escreva, nunca conseguirei fazer jus a este pedaço de paraíso  abraçado pelas águas do Índico.

Até um dia, Inhaca !

Aurélio Terra

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Bilene



A cerca de 200 km da capital Moçambicana, plantada de raiz na natureza está o Bilene.

Qualquer razão é válida para justificar uma visita. Até se for para não se fazer nada.

Entranhada nesta bela localidade, está uma paradisíaca lagoa ligeiramente salgada que ostenta um espelho de água imaculadamente límpida numa extensão superior a 25 km .
O desafio colocado a quem a visita é imediato. Um mergulho rasgando as suas águas.
Mas note-se que essa experiência poder ser ainda mais agradável se for praticada em Dezembro. Assim , nesta época, já se  pode  desfrutar dos 30 ºC  que a água oferece . Isto digo eu, que com águas a menos de 27ºC  já se acha um pinguim.
Se, por acaso, o visitante é daqueles que adora “quebrar” as ondas, então deve meter-se num barco, atravessar a Lagoa para o lado de lá (em escassos minutos) e dar largas à sua vocação mais radical numa praia de dunas arenosas onde a água desmaia a seus pés. Mas, se pelo contrário a sua preferência, for por águas pouco onduladas e que ofereçam “pé firme” durante muito tempo, então deve optar pela lagoa. Aí, é só deixar-se ficar em “banho maria”, enquanto frui do verde exuberante encantado pelo canto afinado que sai de bicos tão pequeninos e magnânimos.
Para os amantes da natureza mais selvagem que dispensam os luxos oferecidos pelos complexos turísticos em betão com um bom número de estrelas,  encontra-se do outro lado da lagoa, em perfeita harmonia com a natureza, um”Lodge” muito interessante.

Há destinos onde, mesmo quando nada acontece, a natureza por si só se encarrega de tudo. E como nobre é ela.

Bilene é um desses locais!

Aurélio Terra